O OBSERVATÓRIO Nacional de Segurança Viária alerta que a retirada do uso dos simuladores de direção das aulas para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com o objetivo de cortar custos, terá o mesmo efeito que a medida que permite apenas uma bagagem de mão por voo, cuja promessa era baixar os preços das passagens aéreas, redução que nunca chegou ao bolso dos consumidores.
O governo estima que a retirada das aulas no simulador vai reduzir em 15% os custos para o cidadão. Mas essa conta não é simples assim. Para um governo que tem como proposta ser liberal e apoiar a iniciativa privada, não há como garantir tal redução em relação aos valores hoje cobrados. Cada Centro de Formação de Condutores (CFC) cobra suas aulas de acordo com seus custos. Há variações de até 30% quando pesquisamos uma mesma cidade. Nacionalmente, as disparidades são ainda maiores.
Outro ponto que o governo deveria avaliar é o impacto da má-formação do condutor nos custos dos acidentes no país, já que comprovadamente 90% dos acidentes envolvem negligência, imprudência e imperícia, o que tem gerado um impacto na saúde e previdência na ordem de mais de 50 bilhões de reais (Dados IPEA atualizados).
Os simuladores são um avanço nas aulas de direção, visto que contribuem para a melhor formação do condutor, pois consegue-se, como o próprio nome já diz, simular situações de risco, sem colocar em perigo o aluno ou a sociedade. Isto já acontece no avião, na navegação marítima, na medicina e até mesmo nas áreas militares de alta complexidade.
O simulador de direção reproduz a sensação de conduzir um veículo, porém, com a vantagem de se ter o controle das variáveis da situação sem colocar os usuários em risco. O instrutor pode, por exemplo, reproduzir um período chuvoso, com neblina, com excesso de veículos ou pedestres, dentre outros. Ou seja, quanto mais forem estimulados os sentidos do condutor, melhor será seu preparo e melhor a segurança de todos que trafegam.
O OBSERVATÓRIO desenvolveu entre 2014 e 2015 estudos aprofundado sobre os simuladores de direção e concluiu que o equipamento à época precisava de melhorias didáticas e pedagógicas. Tais sugestões foram enviadas e acatadas pelo Conselho Nacional de Trânsito - Contran, que prorrogou a exigência do uso do simulador por um ano, até que todas mudanças fossem feitas. Após esta fase, as empresas que produziam simuladores foram obrigadas a submeterem seus equipamentos a avaliações e homologações em empresa certificadora independente, seguindo procedimentos recomendados pelo Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN.
O OBSERVATÓRIO sempre defendeu o uso do simulador dentro de um programa didático pedagógico consistente, tanto que atuou fortemente no desenvolvimento de um novo modelo de formação do condutor, com a participação de todos os entes ligados ao tema, com registros em ata da participação de todos, que passou por dezenas de reuniões de câmaras temáticas do Contran, audiências públicas realizadas em vários estados das cinco regiões da federação e culminou com o seu conteúdo ajustado e aprovado pela Resolução Contran 726, de 06 de março de 2018.
O que causou espanto em toda comunidade que atua no trânsito é que a resolução foi revogada no dia 20 de março, 14 dias após, sob alegação de discordância quanto à exigência de curso para renovação da CNH. Curso este que não havia sido objeto das reuniões e das audiências públicas, logo deveria ter sido retirado do texto e não provocado a revogação da resolução inteira, com de mais de 200 páginas, desprezando o trabalho de centenas de especialistas que investiram tempo e dinheiro em mais de 3 anos de estudos.
O ministro da Infraestrutura diz ter um estudo que levou a esta decisão, o qual foi pleiteado por nós, e até então não foi disponibilizado.
O presidente disse ainda que “o custo do simulador de direção, é de 300 reais...”. Acreditamos que o presidente quis dizer preço ao invés de custo, pois o custo médio da aula de simulador pagas pelos CFC, levantado pelo Observatório, é de R$ 15. Já o valor vendido ao aluno pelo CFC é de R$ 30, o que totaliza para as 5 aulas previstas R$ 150, ou seja, 10 % do valor citado pelo presidente.
O que mais gera curiosidade quanto ao tal “estudo” que o governo alega ter é que nele, provavelmente, deve estar incluída a premissa de que “o simulador não tem eficácia comprovada, pois ninguém conseguiu demonstrar que isso tem importância para formação do condutor”. Para não falar de todos os estudos existentes, pode-se citar apenas dois, um mais recente, analisando o caso do estado de Alagoas, e um anterior, que aborda a formação no Rio Grande do Sul. Ambos demonstram que candidatos que passaram pelo simulador têm maiores índices de aprovação no primeiro exame prático de direção dos DETRANs. Ou seja, está demonstrado que reduzir o número de aulas práticas, ao retirar o simulador, e jogar o aluno para ser reprovado no exame prático não é uma boa medida para reduzir os custos de obtenção da CNH.
O Governo Federal tem que ouvir a sociedade e os especialistas, para que o debate aconteça de forma franca e embasada, livre de ideologias e, principalmente, desprendido de ressentimento, para que se chegue a um entendimento onde não há um vencedor, se não a sociedade. Formar melhores condutores exige um exercício de democracia para alcançar um objetivo comum, reduzir a violência no trânsito brasileiro. E para isso não podemos economizar.
José Aurelio Ramalho
Diretor-presidente
Observatório Nacional de Segurança Viária
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