Em meio aos desafios urbanos contemporâneos, o direito das crianças de brincarem e caminharem pelas ruas em cidades do interior assume uma complexidade única. Enquanto as cidades maiores e capitais enfrentam obstáculos enormes devido à falta de planejamento prévio para lidar com a invasão de veículos nas vias, as cidades do interior podem vislumbrar uma esperança distinta. Este texto explora a perspectiva crucial do desenvolvimento infantil à luz do direito à cidade, destacando a necessidade urgente de estruturas e abordagens educacionais que promovam não apenas o crescimento saudável, mas também a autonomia das crianças.
O direito à cidade não se limita à infraestrutura urbana; trata-se de criar espaços inclusivos que atendam às necessidades de todos os cidadãos em estar, deslocar-se e permanecer no espaço público urbano. Integrar a perspectiva infantil no planejamento urbano requer considerações abrangentes, desde acessibilidade e segurança até a adaptabilidade do ambiente urbano para permitir que as crianças explorem, se desloquem e brinquem com maior segurança.
A garantia de espaços urbanos seguros para crianças é fundamental, compreendendo não apenas a implementação de áreas dedicadas ao público infantil, cuidadosamente projetadas, mas também a criação de calçadas seguras, onde os usuários transitam, sentam-se e observam, bem como ruas movimentadas que refletem a dinâmica própria de seus moradores. No entanto, mesmo em meio a essa proposta idealizada, cidades do interior enfrentam desafios peculiares, como a falta de espaços públicos adequados e crescentes preocupações com a segurança nas ruas. Esses problemas, ligados à violência urbana e à insegurança, contribuem para afastar as pessoas, especialmente as crianças, das ruas.
Ao escutarmos as crianças, com idades entre 6 e 11 anos, por meio da Superintendência de Trânsito de Senador Canedo (SMT)¹ , cidade do estado de Goiás, podemos ter uma compreensão das necessidades e perspectivas diferentes e complementares às dos adultos sobre o uso do espaço público. As perguntas realizadas foram: “1º Como você vai para a escola?”; “2º Você tem vontade de ir caminhando ou de bicicleta para a escola?”; “3º Você tem permissão para caminhar sozinho(a) pela rua próxima de casa?”; “4º Você se sente seguro(a) quando está sozinho(a) na rua?” Após a coleta de dados em uma escola pública de uma cidade de médio porte, analisamos os resultados.
Na primeira pergunta, notamos que 58% das crianças vão caminhando até a escola e ainda na mesma pergunta, apenas 1% utiliza o transporte coletivo, sugerindo que esse modal pode não ser acessível, seguro ou conveniente para a maioria das crianças.
Podemos observar também que o maior fluxo de deslocamento na cidade muitas vezes coincide com os horários de entrada e saída das crianças na escola. Garantir o acesso adequado e seguro para as crianças irem para escola implica em priorizar o deslocamento a pé e assegurar que este meio não seja substituído por opções consideradas mais "eficazes" por outros. Essa abordagem visa não apenas a segurança, mas também a preservação e promoção do deslocamento a pé como uma opção prioritária e valiosa.
A análise da segunda pergunta revelou que aproximadamente 62% das crianças expressaram o desejo de ir para a escola a pé ou de bicicleta. Notavelmente, 54% daqueles que inicialmente indicaram "carro" como meio de transporte para ir à escola responderam “sim” à possibilidade de escolher andar ou pedalar até a instituição de ensino. Esse dado ilustra o quanto essas crianças anseiam por uma mobilidade ativa e sustentável. Esse dado pode sugerir que, sob condições propícias na cidade ou por meio de incentivos, mais crianças poderiam mudar a forma de deslocamento independentes e saudáveis.
Ao conceber propostas educativas, a presença reforçada de agentes de trânsito monitorando as vias nos percursos mais frequentados por crianças a caminho da escola pode promover um ambiente mais seguro e atrativo. Essa medida tem o potencial de incentivar a participação de mais crianças e de seus pais ou responsáveis, estimulando a adesão à proposta de deslocamento a pé ou de bicicleta até a instituição de ensino. Concordando com Jane Jacobs² , "a presença de pessoas atrai outras pessoas (...) o prazer das pessoas em observar o movimento e a interação social é evidente em todas as cidades" (2011, p. 38).
A terceira pergunta indicou que a maioria (81%) das crianças não tem permissão para caminhar sozinha nas ruas próximas de suas casas, possivelmente devido à preocupação com a segurança por parte dos pais ou responsáveis. Essa falta de autonomia pode afetar a independência e a exploração do ambiente urbano pelas crianças.
Essa informação pode indicar a escassez de oportunidades para a criança desfrutar do espaço público nas proximidades de casa, limitando ou até mesmo inexistindo locais adequados para brincar e se deslocar com maior segurança. Enquanto ressaltamos esse aspecto, é crucial lembrar que a segurança urbana necessária para um adulto é a mesma essencial para uma criança. Considerando a vulnerabilidade das crianças diante de perigos e violência, torna-se evidente a importância de garantir um ambiente seguro para todos, independentemente da idade.
Finalmente, a quarta pergunta destacou que 90,5% das crianças não se sentem seguras quando estão sozinhas nas ruas. Isso levanta questões críticas sobre a segurança nas cidades e a necessidade de medidas que garantam um ambiente mais seguro para as crianças. A insegurança limita a liberdade de movimento e desenvolvimento social e saudável da criança no espaço urbano.
Esses resultados fornecem valiosas percepções sobre como as crianças percebem a mobilidade e destacam a importância de políticas e planejamento urbano que considerem suas necessidades e segurança, tornando as cidades mais amigáveis para todas as idades. Vale destacar que a segurança das ruas atinge sua eficácia máxima quando as pessoas as utilizam e desfrutam espontaneamente.
Superar esses desafios abre portas para inovações tanto no planejamento urbano quanto na abordagem da Educação para o Trânsito nas escolas. As propostas não se limitam à revitalização de espaços públicos; vão além, incluindo a criação e promoção de rotas seguras a pé em direção às escolas, bem como métodos pedagógicos que incentivem a reflexão sobre o uso seguro de calçadas e vias por parte das crianças.
É importante salientar que, embora as calçadas movimentadas apresentem desafios, reviver a cultura de crianças brincando sob a vigilância dos olhares de inúmeros adultos, que muitas vezes são moradores ou familiares, oferece aspectos positivos que contribuem para a diversão das crianças e para a educação. Esses aspectos são igualmente relevantes ao considerarmos a segurança e proteção. Por meio dessas iniciativas, emerge o potencial de transformar as cidades do interior em ambientes mais inclusivos e seguros para o desenvolvimento infantil.
Ao promover o direito das crianças de brincar e caminhar na rua, investimos não apenas no desenvolvimento individual, mas também na construção de comunidades mais coesas e saudáveis, especialmente em cidades do interior. Essa abordagem, reconhecendo o direito das crianças como componente fundamental do direito à cidade, é essencial para criar ambientes urbanos que promovam o desenvolvimento infantil.
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1 - Os agentes de trânsito que contribuíram na coleta dos dados foram o Pedro Henrique dos Santos, SMT/ Senador Canedo e o Leandro Ribeiro de Miranda, SMT/ Senador Canedo.
2 - JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades; tradução Carlos S. Mendes Rosa. 3° ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
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