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Entrevista – Simuladores na formação dos condutores

Escrito por Portal ONSV

15 JAN 2016 - 10H00

Toda mudança envolve apreensão e até desconforto, independente do tema. Com a adoção dos simuladores na formação dos novos condutores, não é diferente, por conta do impacto das adaptações e da novidade em si, por conta também do vaivém de medidas relacionadas ao trânsito no Brasil que causam sempre desconfianças.

Para contribuir nos esclarecimentos o OBSERVATÓRIO Nacional de Segurança Viária busca respostas para uma série de questionamentos que envolvem desde as vantagens e desvantagens dessa tecnologia, à adoção e a experiência dos simuladores em outros países, até entender porque o Brasil discute esse tema há mais de 40 anos e agora vai implantá-lo.

Para responder a essas e outras questões de interesse de toda a sociedade, o OBSERVATÓRIO entrevistou Roberta Torres, especialista em Gestão, Segurança e Educação no Trânsito.

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Roberta é professora formada pela Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG; mestranda pela Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) na área de Promoção da Saúde e Prevenção da Violência; além de autora de livros, capítulos e materiais didáticos na área de segurança, educação para o trânsito e formação de condutores.

Confira a entrevista:

O uso das novas tecnologias já mudou a educação formal. Os simuladores também podem transformar, positivamente, a formação dos novos condutores?

Roberta Torres: Sim. À medida que as ferramentas de tecnologia avançam, o debate sobre a importância do uso delas também cresce. Um dos principais responsáveis pelo aumento dos fatores de risco dos motoristas iniciantes se envolverem em um acidente é a dificuldade de prever e gerir os riscos que irá encontrar. Isso porque eles tiveram menos contato com o trânsito e menos tempo de desenvolver e refinar suas habilidades, portanto, são menos capazes de prever corretamente a evolução das prováveis situações de risco no trânsito. Com a utilização dos simuladores na formação desses futuros condutores, será possível termos uma transformação positiva no futuro.

Por permitir reproduzir diversas situações de tráfego, o aluno estará mais preparado para dirigir com o uso dos simuladores, impactando na redução de acidentes? Existem pesquisas que comprovem isso?

Roberta Torres: Exatamente. O objetivo principal do simulador de direção é possibilitar a condução reproduzindo a sensação de conduzir um veículo; porém, com a vantagem de se ter o controle das variáveis do estudo sem colocar os usuários em risco. O instrutor poderá, por exemplo, reproduzir um período chuvoso, com neblina, com excesso de veículos ou pedestres, dentre outros. Ou seja: quanto mais forem estimulados os sentidos como visão, audição, tato e o sistema vestibular do condutor, melhor. Wade Allen é um dos maiores pesquisadores na área da simulação de direção no mundo. Ele tem diversos estudos publicados e em 2007, num artigo sob título The Effect of Driving Simulator Fidelity on Training Effectiveness²  ele analisou o grau de fidelidade do simulador de direção e o efeito sobre a eficácia no treinamento de condutores. O treinamento foi realizado durante quatro anos na Califórnia e dois anos na Província de Nova Escócia do Canadá. Foi estudado o comportamento de condutores formados em três configurações diferentes de simuladores e compararam as taxas de envolvimento em acidentes com motoristas novatos que não foram formados com o simulador. Neste estudo, Wade Alle pode comprovar que os índices de acidentes em um dos modelos de simulador foram 50% inferiores aos motoristas treinados sem simulador na Califórnia e no Canadá.

Quanto ao número de horas-aula neste equipamento, na sua avaliação o previsto é o suficiente?

Roberta Torres: No Brasil, embora o tema já esteja sendo discutido há anos no âmbito da legislação, na área acadêmica ainda tem muito a evoluir. Mas estamos começando e toda evolução deve ter um pontapé inicial. No meu ponto de vista, ainda é muito cedo para afirmar se essa carga horária é a ideal ou se seriam necessárias mais aulas. Acredito que seria necessário termos dados mais consistentes do país todo; e, se for o caso, ir adaptando assim como vem acontecendo com a carga horária do curso teórico-técnico e prático de direção.

No caso de pessoas que têm medo de dirigir, o simulador pode preparar melhor esses alunos antes de tomar as ruas?

Roberta Torres: Também. As primeiras aulas já são bem tensas para o aluno, mesmo que ele não tenha nenhum tipo de fobia resultante de algum tipo de situação ocorrida, como, por exemplo, um acidente. O aluno que nunca dirigiu não está familiarizado com os componentes e com essa posição de motorista. Então, estando em um ambiente controlado como é o caso da simulação, o candidato se sente muito mais seguro e confortável. E isso, certamente irá facilitar a conexão entre a simulação e a prática de direção.

Por ser uma estudiosa do tema, em âmbito geral, quais os principais países que já adotaram o simulador como ferramenta pedagógica na formação de novos condutores?

Roberta Torres: Em Manhattan e Kansas, alunos foram avaliados durante um semestre e o estudo revelou que o desempenho dos estudantes que foram treinados com o simulador foi melhor em eventos considerados de risco como mudanças de faixa, ultrapassagens, entre outros resultando em colisões.

Na Holanda, os simuladores de direção foram introduzidos nas escolas de condução para a formação de novos condutores com o objetivo de ensinar aos alunos noções básicas de condução de um veículo.

Em Montreal, um estudo foi realizado com o objetivo de analisar a eficácia da substituição do treinamento prático nas ruas pelo treinamento em simuladores de direção. Nos resultados preliminares, os autores já perceberam que uma hora no simulador pode substituir uma hora das aulas de direção nas ruas.

Na Califórnia, como citado anteriormente foi feito um estudo que analisou o grau de fidelidade do simulador de direção e o efeito sobre a eficácia no treinamento de condutores mostrando o envolvimento menor em acidentes de trânsito com os alunos formados com o simulador.

No Chile, a utilização dos simuladores é obrigatória na formação de motoristas profissionais.

No Japão, os simuladores são utilizados desde 1996 para formar seus motociclistas e, e desde 2007, o país entendeu que a utilização dos simuladores deveria fazer parte da formação dos condutores.

Na Tailândia e na China, os simuladores são permitidos para cumprimento de parte da carga horária.

A Finlândia adotou a obrigatoriedade dos simuladores para prática das aulas noturnas e para motoristas profissionais de veículos de quatro rodas.

No Marrocos, parte da carga horária de aulas práticas pode ser substituída por aulas no simulador, chegando até a 35% de substituição das aulas.

Na França, atualmente, são utilizados para cumprimento de parte da carga horária. O país vem estudando a obrigatoriedade do uso do simulador como parte da reforma do processo de licenciamento para dirigir, integrando assim, ao Plano Nacional de Formação Francês.

A União Europeia tem estudado sobre o tema onde já é utilizado de forma obrigatória um método audiovisual que simula situações de risco com a utilização de um computador, e é exigido um desempenho mínimo para aprovação nessa etapa do processo de obtenção da permissão para dirigir, no país. Há também o uso regulamentado em outros países como Panamá, Uruguai, Espanha, Bielorrússia, República Tcheca, Irlanda, Lituânia, Romênia, Rússia e Eslováquia.

O tema parece recente, mas a Sra. fez um levantamento destacando que o uso dos simuladores para  a formação de condutores já era estudado no país desde a década de 70, por quê então, foi tão demorada a sua adoção?

Roberta Torres: Fiz um estudo de toda a legislação brasileira que trata sobre o assunto. A primeira Resolução publicada no Brasil foi há 40 anos (Resolução 504/1976). Depois dela, foram mais de 27 Resoluções e Portarias até chegarmos à mais atual que é a 543/2015. As justificativas encontradas nas Resoluções são diversas, mas principalmente a dificuldade de implantação e acredito que isso tenha dificultado bastante a adoção. Muitas vezes, mudar gera desconforto e isso dificulta as coisas. A meu ver, a regulamentação acontecia, ou seja, exigia-se o simulador, mas não havia uma explicação clara do que fazer com ele. Com as atuais resoluções isso melhorou muito. Hoje existe todo um conteúdo didático-pedagógico já estabelecido e que o simulador deve cumprir. As aulas seguem uma sequência lógica de aprendizado que facilitará o desenvolvimento do aluno.

Os simuladores podem ter outro papel ou até influenciar em ações de gestão no trânsito, para além da formação?

Roberta Torres: Com certeza. A utilização dos simuladores para a formação de condutores é uma das formas de aproveitarmos dessa tecnologia. Diversas pesquisas demonstram que a utilização de simuladores é uma alternativa adequada para os estudos de campo. Isso porque, com eles, os estudos se tornam mais baratos e mais fáceis de reproduzir, além da facilidade do controle das ações do condutor e dos dados relativos aos erros e infrações cometidas durante a condução que ficam registrados. Os simuladores são utilizados para estudos de tráfego como alteração de projetos e de vias, desenvolvimento de projetos de novos veículos, desenvolvimento de novos dispositivos de segurança, avaliação do uso de sistemas de navegação por satélite (GPS), testes com novas sinalizações, avaliação do comportamento humano do condutor (influência de álcool, drogas, sono e fadiga na direção), aperfeiçoamento de motoristas habilitados e profissionais, treinamento para condução de veículos específicos, simulação da realidade aplicada à educação para o trânsito, além da formação de condutores.

No Brasil, cada CFC poderá  usar o modelo de simulador que desejar ou existe uma padronização, com certificação do Inmetro ou órgão do gênero?

Roberta Torres: Além das Resoluções do CONTRAN, existe uma Portaria do DENATRAN que determina todos os elementos de Hardware e Software mínimos. As empresas que fabricam simuladores passam por um processo de Homologação e certificação e devem atender para poder colocar o simulador no mercado. Atualmente, são cinco empresas autorizadas a comercializar simuladores para o processo de habilitação no Brasil e os CFCs só poderão escolher entre estas homologadas.

Há quem aponte benefícios ecológicos para o uso do simulador, por retirar veículos das ruas, isso procede já que são tão poucas horas?

Roberta Torres: O foco principal do meu estudo foram os benefícios didático-pedagógicos, até pela minha formação; portanto, não me aprofundei nos benefícios ecológicos, embora eu acredite que um cálculo de quem é da área seja perfeitamente possível e certamente já devem ter estudos com esse foco, principalmente fora do Brasil onde o tema já é estudado há anos. Imagine quanto de CO2 são emitidos por um automóvel trafegando durante 50 minutos. Multiplique se valor por 5 horas/aula, depois pela quantidade de alunos que se habilitam por mês no país e por fim, multiplique isso por 12 meses. Eu não sou a melhor pessoa para dizer o quanto isso será significativo, mas em um primeiro momento ao que parece, sim.

Por outro lado, quais as desvantagens do equipamento ou problemas a apontar?

Roberta Torres: Existem pessoas que se sentem mal apresentando tonturas e vertigens. Esses casos ainda não foram previstos pela regulamentação. Ou seja, como serão realizadas essas aulas. Acredito que isso acontecerá à medida que os casos forem aparecendo, da mesma forma que existem exceções com pessoas que não possuem digitais e são dispensadas de registrar a biometria. Outro ponto que já vem sendo discutido e acredito que em breve deva ser solucionado é a questão da plataforma de vibração que auxilia muito na percepção vestibular, inclusive diminuindo esse mal-estar. Os legisladores devem se esforçar ao máximo para que a legislação dê conta de acompanhar o avanço da tecnologia para que tenhamos sempre o melhor em prol da qualidade na formação dos condutores no país.

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