A mobilidade Urbana não é igual para todos, cada pessoa tem suas próprias necessidades e atividades a realizar na cidade. A mobilidade das mulheres, por exemplo, é formada por deslocamentos complexos e multimodais, visto que sentem o impacto das diversas responsabilidades de trabalho e cuidado, e ainda precisam adaptar seus percursos e meios de transportes para garantirem sua integridade e segurança.
Diversos estudos e pesquisas já mostraram que mulheres que estão envolvidas em sinistros de trânsito são minoria, em comparação a condutores do sexo masculino. Isso pode ser reflexo da ocupação feminina em condução de veículos que também é minoria, mas também nos estimula a observar como as mulheres se deslocam pela cidade, e quais são as condutas no dia a dia que fazem com que elas se envolvam em menos ocorrências e sinistros de trânsito.
Várias cidades brasileiras possuem as pesquisas de Origem-Destino, que tem o objetivo de estudar os deslocamentos das pessoas na malha urbana. Grande parte delas já mostram que a mobilidade feminina dentro das cidades está atrelada a diversas atividades de serviço e cuidado, que vai desde o deslocamento ao trabalho formal ou informal, até os deslocamentos que envolvem gravidez, cuidados familiares relacionados a saúde, ao bem-estar e educação, idas às lojas e supermercados e de manutenção do espaço doméstico. Cidades como São Paulo, Salvador e Curitiba já possuem pesquisas de Origem-Destino que mostram que as mulheres fazem mais uso do transporte coletivo e caminham mais que os homens.
O Plano Global da Década de Ação pela Segurança no Trânsito referente aos anos de 2021 a 2030 traz diversas informações que elucidam bem a perspectiva de gênero no trânsito. No documento, é apresentado que o tema da segurança no trânsito é aplicado de forma diferente com homens e mulheres, levando em consideração vários fatores físicos, comportamentais e sociais.
De acordo com o Plano Global citado, as mulheres fazem parte desse grupo de pessoas mais vulneráveis em sinistros, porém elas possuem menos risco de morte, que quando acontece, na maior parte dos casos elas estão como pedestres ou passageiras de veículos, e na minoria dos casos são como condutoras, isso reforça os dados de caminhabilidade das mulheres e traduz as diferenças em suas escolhas no momento de assumir riscos no trânsito.
O mesmo documento também destaca que os condutores do sexo masculino estão associados a um risco de 2 a 4 vezes maior por km do que as mulheres, ainda considerando que os homens fazem uso dos meios de transporte mais perigosos em seus deslocamentos e como instrumento de trabalho. Somado a isso, o plano expõe alguns padrões relacionadas às lesões de trânsito, onde as mulheres aparecem com um risco 47% maior de lesões graves em um sinistro de automóvel do que os homens e cinco vezes mais risco de lesão cervical.
Outro tema importante intrínseco da mobilidade feminina são os perigos em seus deslocamentos relacionados ao assédio sexual, e o quanto esses assédios impactam na mobilidade e segurança das mulheres no trânsito e transportes. De acordo com uma pesquisa divulgada pela ActionAid no Brasil em 2016, 70% das mulheres responderam que sentem medo ao andar pelas ruas; 69%, ao sair ou chegar em casa depois que escurece e 68% se sentem ameaçadas no transporte público. Segundo o Instituto Caminhabilidade alguns princípios importantes que podem colaborar para ruas mais seguras para todas as pessoas, inclusive e principalmente as mulheres são: Sinalização, Visibilidade, Vitalidade, Vigilância, Equipamentos e Mobiliário Urbano e Convivência.
A partir dessas informações, é essencial que essa perspectiva de gênero seja considerada no planejamento da mobilidade e trânsito, de modo que nas implementações de Sistemas Seguros de Transporte sejam considerados como parte fundamental:
1. O fornecimento de um ambiente propício para que homens e mulheres compartilhem uma mobilidade segura, protegida, acessível, confiável e sustentável e a participação não discriminatória no transporte.
2. Uma maior presença e envolvimento das mulheres no setor de transporte e seus processos, como operadoras de sistemas de transporte, tomadoras de decisão no desenvolvimento de sistemas regulatórios e políticos, como engenheiras e designers e em outras funções correlatas.
3. Uma visão mais ampla das diferenças de gênero em relação ao projeto e à construção de todos os aspectos da infraestrutura de transporte.
É fundamental salientar que um sistema de trânsito e transportes inseguros afetam e são um risco para todas as pessoas. Porém é indispensável o olhar por esse ângulo de gênero, onde podemos observar que se por um lado, os homens possuem mais riscos de sinistros de trânsito e precisam de campanhas e políticas que alcancem esse público, por outro lado, podemos observar as dinâmicas de mobilidade que em sua grande maioria são vivenciadas pelas mulheres, que incluem em seu dia a dia diversas atividades e portanto, diversos deslocamentos, o que as coloca em um grupo vulnerável e ainda somatizando com outros perigos de violência, faz a discussão dessa relação da mobilidade das mulheres e segurança viária se tornar ainda mais importante.
Referências:
Plano Global - Década de Ação pela segurança no trânsito 2021-2030. Disponível em: https://www.paho.org/pt/documentos/plano-global-decada-acao-pela-seguranca-no-transito-2021-2030 (acessado em 10/03/2024).
Mobilidade das mulheres: Reflexões e experiências municipais. Live realizada pelo Painel Brasileiro da Mobilidade em 5 de mar. de 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t38Z-bcxScw&t=1612s.
Em pesquisa da ActionAid, 86% das brasileiras ouvidas dizem já ter sofrido assédio em espaços urbanos. Disponível em: https://actionaid.org.br/na_midia/em-pesquisa-da-actionaid-86-das-brasileiras-ouvidas-dizem-ja-ter-sofrido-assedio-em-espacos-urbanos/ (acessado em 10/03/2024).
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