Márcia Pontes
De repente a freada, o estrondo e o som da colisão. As pessoas correm, saem de suas casas, mas não sem antes pegar o celular já armado na posição de fotografia ou de filme. As pessoas vão se amontoando, em alguns casos parecendo que brotam da terra, e se acotovelam em busca do melhor ângulo. O olhar já busca os corpos: “foi grave? Tem sangue? Morreu? ‘Vixe’, esse aí não escapa”! E é numa sucessão de curiosidade, comentários, conclusões antecipadas e juízos de valor que a notícia vai se espalhando e as fotos e filmes vão sendo publicados em tempo real nas redes sociais. Em poucos segundos estão sendo compartilhadas no Facebook, Whatsapp e em outros aplicativos. Mas, e a vítima? Como ela se sente naquele momento quando está consciente, assustada e imóvel? Como a família se sente quando a notícia do acidente chega primeiro pelas redes sociais, sem nenhuma preparação, sem qualquer cuidado?
Outros iniciariam esse parágrafo com palavras como “lamentavelmente” ou “infelizmente”, mas eu inicio com “irresponsavelmente”. Porque irresponsavelmente, no auge da curiosidade e no afã de postar antes de todo mundo, muitas pessoas assim que presenciam ou farejam um acidente de trânsito empunham logo as suas câmeras de celular e pulam na frente dos corpos, se agacham, fazem malabarismos para conseguir o melhor ângulo da foto dos corpos, ainda vivos ou não.
Neste momento a última coisa em que pensam é: “o que a vítima está sentindo?”. “E se fosse comigo, como eu me sentiria?” “E se fosse alguém da minha família e eu soubesse do acidente por alguma postagem nas redes sociais”?
Ninguém se coloca no lugar das vítimas e de suas famílias. Ninguém pensa naquela mãe, naquele pai, esposa, marido, irmão, filho, que tem a sua rotina interrompida onde quer que esteja por um telefonema que te avisa que a pessoa que você mais ama no mundo acabou de se envolver em um acidente de trânsito.
Como a família se sente
Pois eu posso dizer com propriedade como as famílias se sentem, já que sou familiar de vítimas de acidente de trânsito: quando você atende ao telefone com voz serena jamais vai pensar que do outro lado da linha tem um profissional ou um familiar escolhendo as palavras para te dizer o que aconteceu e te pedir que traga os documentos da vítima para dar entrada no hospital ou no necrotério.
Nesse momento o nosso chão some debaixo dos pés; o nosso mundo desaba; nos sentimos golpeados bem no meio do coração; as nossas pernas ficam bambas, moles; nós procuramos um lugar para sentar ou uma pessoa para apoiar. Ficamos tontos, não sabemos por onde começar. Se ninguém avisa esquecemos panelas no fogo, roupas batendo na máquina, portas e janelas abertas. Precisamos de alguém para dirigir por nós e nos levar até o local porque ficamos sem condições psicológicas, emocionais e até físicas.
Se naquele momento em que estamos nos aprontando com dificuldades para sair de casa soa um aviso das redes sociais ou se alguém vem nos mostrar a postagem, a foto, o filme, os comentários, ficamos ainda mais desesperados. Afinal, como você se sentiria se, ainda sem saber exatamente a dimensão da gravidade do acidente, visse o corpo da pessoa que você ama caído no asfalto, muitas vezes, com uma poça de sangue ao lado ou com as fraturas expostas em detalhes?
Posso dizer que o nosso mundo desaba de uma maneira muito cruel e desumana. Muitos desmaiam e dão entrada no hospital junto com as vítimas do acidente. Ficamos destroçados muitas vezes por segundos ao ver a dor de quem amamos e a nossa dor e sofrimento, expostos nas redes sociais em meio a muitos likes e curtidas, mesmo muito tempo depois do ocorrido. É de um desrespeito, de uma desumanidade e de uma falta de compaixão extrema!
Quem curte e dá likes em fotos assim está gostando e curtindo o quê? O acidente? As consequências do acidente? A postagem invasiva e desrespeitosa que faz a desumanidade de postar o rosto, o corpo ferido e até politraumatizado? Está curtindo o desrespeito e a falta de compaixão em publicar e compartilhar o ser humano em seu momento de maior fragilidade?
É isso que as campanhas de acidentes de trânsito nos países mais evoluídos querem evitar: a exposição da dor das vítimas e das famílias, mesmo com o propósito de incentivar a prudência e tentar evitar que outros se machuquem assim.
Mesmos os profissionais do jornalismo, como os fotógrafos e cinegrafistas, procuram sempre o melhor ângulo para mostrar o acidente, os veículos; nunca as pessoas, nunca os corpos, nunca a exposição antiética e desumana do sofrimento humano ou de um corpo agonizante.
Como a vítima se sente
Quando eu estava com minha mãe internada e já em coma no hospital, vítima de um AVC hemorrágico, mesmo sabendo que o corpo não dava mais resposta alguma, os médicos e enfermeiros sempre alertavam: “cuidado com o que vocês falam perto dela, porque a audição é o último sentido que vai embora. Ela está assim, mas ouve tudo”.
Com as vítimas de acidentes de trânsito não é diferente. As que estão conscientes ficam assustadas, com medo, sentindo dor e desespero. Como elas não podem ver o próprio corpo caído no chão, os pensamentos automáticos são de que se feriram com extrema gravidade. Uma vez ajudando a acalmar um motociclista nessa situação, a todo o momento ele perguntava: “eu estou sangrando’? “Dá prá ver se eu quebrei alguma coisa”?
A vítima de acidente se sente desamparada, desprotegida, sozinha no mundo naquele momento, ainda que rodeada de socorristas e de uma turba de curiosos. Nesse momento, caída, ali, no chão, mesmo que os ferimentos não sejam graves, a vítima pensa que vai morrer. Elas ouvem tudo: os comentários das pessoas sobre o acidente e principalmente sobre o estado de seu corpo. Ouvem, inclusive, os cliques das câmeras. Ouvem o choro, os gritos e o desespero dos familiares que vão chegando. Alguém já tentou se colocar no lugar das vítimas?
Mesmo aquelas que estão desacordadas, têm a audição como o sentido que prevalece sobre os demais. Muitas vítimas aparentemente inconscientes narram que no momento do acidente viam o vulto embaçado das pessoas porque o olho permaneceu um pouco aberto e ouviam as vozes das pessoas, as sirenes, sentiam que estavam sendo socorridas, colocadas na maca e transportadas ao hospital. Elas podem não ver e ouvir tudo com clareza, mas os comentários, as especulações, os achismos dos curiosos, em boa parte dos casos elas podem ouvir e dependendo do que ouvem, isso as assusta e piora o seu estado de saúde emocional e física ainda mais.
Coloque-se no lugar do outro
Praticar a empatia e colocar-se no lugar do outro é uma coisa que anda muito em falta em tudo o que fazemos na vida: em uma discussão em casa, no trabalho, no trânsito, ou simplesmente diante do modo como nos comportamos quando presenciamos um acidente de trânsito.
A primeira coisa que se deve fazer é avaliar visualmente o estado das vítimas e chamar o socorro, seja bombeiros ou guarda de trânsito. É importante que eles saibam alguns detalhes que deem pistas sobre a gravidade do acidente. Sinalizar o local um pouco antes do acidente com o que tiver: triângulos emprestados de motoristas, galhos de árvore, caixas de papelão, o que tiver, para alertar e avisar os outros motoristas para que reduzam a velocidade, redobrem a cautela e evitem outro acidente.
A distância em que se deve sinalizar é dada em função da velocidade da via: se a velocidade máxima permitida é 40km/h, dê 40 passos largos e sinalize. Se for em dia chuvoso, dobre a quantidade de passos largos e sinalize, sempre de acordo com a velocidade máxima permitida na via.
Evite o aglomero, a rodinha de curiosos, o ‘bololô’, o enxame; mas acima de tudo, evite fotografar ou filmar as vítimas. Em hipótese alguma ofereça água para uma vítima de acidente de trânsito, pois se ela tiver alguma hemorragia interna a água poderá agravar, provocar vômitos, tosse e complicar o atendimento em caso de entubação pelos socorristas.
Coloque-se no lugar da vítima e imagine se fosse você ali deitado no chão ou preso às ferragens do veículo. Pense em como você gostaria de receber a notícia e do apoio, orientação e cuidado que vai necessitar para não adoecer junto.
Pense nos pais, maridos, esposas, filhos, irmãos e nos demais familiares sabendo do acidente e imaginando o estado das vítimas pelas fotos e filmes que você posta nas redes sociais em busca de um “furo”; da vaidade de ser o primeiro a postar e da ânsia por likes e curtidas em cima do sofrimento alheio.
Procure dentro de alguma dobrinha de você, onde foi parar o respeito pela dor alheia, a humanidade, a compaixão, e a resgate. Se não puder ajudar, não atrapalhe. Se puder, acalme a vítima, diga que vai ficar tudo bem, que o socorro já está chegando, que já está ouvindo a sirene e que em breve os socorristas irão fazer todo o atendimento necessário.
Peça às pessoas que não façam comentários perto das vítimas, que não façam juízo de valor, que não fiquem especulando sobre o que não sabem e que, acima de tudo, colaborem, se afastem, não abafem e nem sufoquem a vítima. Em vez disso, acolha, apoie, ofereça ajuda emocional às vítimas e aos familiares.
Os acidentes de trânsito são diários; muitas vezes, atende-se mais de um ao mesmo tempo e ninguém sabe se amanhã ou depois estará no lugar dessas vítimas e dessas famílias tendo a sua dor, o seu sofrimento e o seu corpo machucado exposto de forma cruel e desumana em fotos cheias de likes e curtidas nas redes sociais. É desumano saber do acidente dessa forma. Para as vítimas e para as famílias, é uma das piores agressões que se pode sentir. Ficamos ainda mais destroçados. Por dentro e por fora. Por isso, segue aqui um apelo sincero pela sua humanidade ao presenciar um acidente de trânsito: https://www.youtube.com/watch?v=trg4gNy_hC8
Márcia Pontes é educadora de trânsito, escritora e Coordenadora do Movimento Internacional Maio Amarelo em Santa Catarina. Realiza um trabalho voluntário de Educação para o Trânsito online nas redes sociais com foco na segurança no trânsito, ética e cidadania. Escreve o Blog Aprendendo a Dirigir voltado à formação significativa de condutores e prevenção de acidentes. É graduada em Segurança no Trânsito pela Unisul e tem Especialização em Planejamento e Gestão de Trânsito pela Unicesumar.
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