Na guerra, as ações são planejadas e executadas com o objetivo explícito de derrotar o inimigo, o que frequentemente envolve matar combatentes adversários. De maneira similar, no caso de homicídios por arma de fogo, o ato de matar é intencional e geralmente premeditado.
No trânsito não existe, por via de regra, a premeditação da morte alheia como nas guerras e nos homicídios. Porém, para nós brasileiros, a possibilidade de morrer no trânsito se apresenta como um risco muito mais iminente do que os homicídios ou as guerras, e tem passado quase que despercebido pelos olhos da sociedade e pela cabeça (e boca) dos políticos eleitos à posição de gestores das cidades, os prefeitos!
O Brasil enfrenta uma realidade trágica no que diz respeito às mortes violentas, apresentando índices alarmantes de vítimas fatais por homicídios com armas de fogo e sinistros de trânsito. O relatório “Mortalidade no Brasil: Um Comparativo entre Homicídios por Armas de Fogo e Sinistros de Trânsito”, produzido pelo Observatório Nacional de Segurança Viária e a Universidade Federal do Paraná, oferece uma análise comparativa desses dois fenômenos. Ao todo, foram analisados os dados gerais de 5.514 municípios brasileiros, além de um recorte entre 93 cidades com mais de 300 mil habitantes.
Em 2022, o Brasil contabilizou mais de 45 mil homicídios, dos quais 33.227 foram provocados por armas de fogo. Já as mortes ocorridas em função de sinistros de trânsito computaram 33.426 vítimas fatais. Considerando a população de 202 milhões de habitantes, em 2022 foi registrada uma taxa de homicídios por arma de fogo de 16,45 mortes para cada grupo de cem mil habitantes, e a taxa de mortes no trânsito foi de 16,55. Esses números colocam o país entre os mais violentos do mundo com milhares de mortes evitáveis, já que foram provocadas por causas externas, que poderiam ser mitigadas por meio de políticas de segurança pública e segurança viária.
O relatório destaca que as regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas pela violência armada, enquanto as regiões Centro-oeste, Sul e Sudeste são assoladas pela violência viária. Dos 4.800 municípios que registraram mortes por armas de fogo e/ou sinistros de trânsito, em 3.503 a taxa de mortes no trânsito é equivalente ou superior aos homicídios por armas de fogo, representando 73% dos municípios brasileiros pesquisados.
O relatório revela a situação das 93 cidades brasileiras com população superior a 300 mil habitantes, o que representa um total de 78,9 milhões de habitantes, correspondendo a 39% da população brasileira. Esse grupo de 93 municípios foi responsável por 8.399 mortes no trânsito (25,1% do total) e 12.530 mortes por arma de fogo (37,7% do total).
Considerando a taxa de mortalidade no trânsito em 2022 nesse grupo de 93 municípios, 48 deles apresentam taxas iguais ou superiores às taxas de mortalidade por arma de fogo, ou seja, em 51,6% dos maiores e mais relevantes municípios do país, o trânsito mata mais que os homicídios por arma de fogo.
Apesar da gravidade dos números relacionados aos sinistros de trânsito, o tema da segurança viária segue ignorado em grande parte dos debates sobre políticas públicas no Brasil. Nas grandes cidades, onde a urbanização acelerada, o aumento da frota de veículos e a falta de infraestrutura adequada para pedestres e ciclistas agravam ainda mais o risco de mortes no trânsito, esse tema deveria estar no centro das discussões políticas.
A gravidade da situação expõe o drama dos mais vulneráveis no trânsito. São milhares de pedestres, ciclistas e motociclistas que têm perdido suas vidas ou adquirido sequelas permanentes como resultado da violência no trânsito.
Os motociclistas, em geral homens jovens e socialmente mais vulneráveis, compõem o principal grupo de vítimas, se caracterizando ao mesmo tempo como principal usuário vulnerável e também como principal fator de risco, em função do excesso de comportamentos inadequados.
Os efeitos da pandemia aceleraram um processo que já apresentava tendências preocupantes, em que os sistemas de transporte urbano coletivo, essencialmente mais sustentáveis em termos ambientais e de segurança viária, assistiram seus passageiros migrarem para o transporte individual, que carrega consigo diversas externalidades negativas.
No pós pandemia, a ausência de políticas públicas de fomento e apoio aos sistemas coletivos de transporte urbano e toda a dificuldade econômica criada por um modelo de matriz tarifária altamente dependente do pagamento da tarifa com o dinheiro do cidadão — o mais impactado pela crise, diga-se de passagem — contribuíram para que esses passageiros não voltassem para o sistema, acelerando o crescimento da frota de motocicletas impulsionado pelo crescente número de novos condutores e entregadores de delivery.
Infelizmente, governos são engessados e não têm a capacidade de adaptar suas leis e processos operacionais na mesma velocidade em que o mundo muda; ao contrário, o que vemos é um aumento significativo no número de irregularidades no trânsito diante dessa incapacidade de resposta governamental rápida.
Segundo estimativa da própria Secretaria Nacional de Trânsito, metade dos condutores de motocicletas não possuem habilitação na categoria adequada, fato que incide diretamente nos níveis de segurança viária, pois se aliam ao crescimento de serviços clandestinos e ilegais, como os mototáxis piratas nas periferias e os deliveries desregulamentados pelo Brasil afora.
Se não bastasse isso, a intolerância social tem crescido em diversos aspectos, fato que se comprova em discussões sobre qualquer tema nas redes sociais, repletas de extremismo, polarizações e agressões de todos os lados.
Esse comportamento agressivo das redes sociais está sendo levado para as ruas. Nossa sociedade não está conseguindo acolher aquele motociclista que se comporta mal no trânsito, ao contrário, cada vez mais tem olhado para ele como um cidadão de segunda categoria, que deve ser expurgado do convívio coletivo das vias urbanas em vez de ser tratado com o cuidado e urgência que a situação demanda.
O poder público é o primeiro responsável por isso, pois deveria colocar a preservação da vida por meio da segurança no trânsito como pauta prioritária em suas políticas. A promoção de uma infraestrutura segura e adequada para os sistemas de mobilidade, a organização da convivência harmônica entre os diversos modais, o combate às regularidades e os investimentos em conscientização devem ser priorizados e com a devida transparência, para que a sociedade possa se apropriar do assunto e cobrar seus direitos.
As empresas, que perdem competitividade em função dos afastamentos por acidentes de trajeto e pelas dificuldades logísticas impostas pela malha viária brasileira, devem colocar a segurança no trânsito no centro de suas cadeias de valor, priorizando suas relações empresariais em círculos que destaquem a segurança viária como iniciativa de responsabilidade social no âmbito de suas plataformas de sustentabilidade.
E a sociedade em geral, pessoas como nós, que além de adotarmos comportamentos mais seguros no trânsito, devemos promover esse conceito em nossos círculos sociais, não só servindo de exemplo, mas cobrando de nossos amigos e familiares que também mudem seus hábitos de deslocamento para o bem coletivo.
A segurança viária é essencial para a qualidade de vida nas cidades. Sinistros de trânsito não só tiram vidas, como também impactam negativamente a saúde pública, o sistema de transporte e a economia local, e cada um de nós tem um papel a cumprir para rever essa situação de guerra que o país tem vivido.
Este artigo foi retirado de forma integral da revista NTUrbano. Faça o download da revista clicando aqui!
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